“De jangada leva uma
eternidade, de saveiro leva uma encarnação, de avião, o tempo de uma saudade.”
Gilberto Gil, Parabolicamará
Qual o tempo de uma saudade? Se
for o que levou para que tivéssemos novamente uma equipe econômica completa,
equipe formada por várias pessoas experientes, não apenas por um ministro
solitário, equipe capaz de tirar o Brasil do atoleiro, o tempo dessa saudade
foi longo demais. Se for o que levou para entendermos que o governo Dilma, marcado
pelo triunfo da diversidade sobre a competência, mergulhava o País na
bancarrota, o tempo dessa saudade foi inexistente para uns, de difícil
aceitação para outros. Alguns permanecem com a saudade atravessada na garganta,
ainda que vejam 10 milhões de brasileiros desempregados, outros tantos mais à
beira do abismo.
Como haverá de caminhar a nova
equipe econômica, em que tempo? Apesar da inequívoca competência dos que foram
anunciados para compor o Ministério da Fazenda, o Banco Central, o BNDES, o
luxo da jangada, dele não se dispõe. Tampouco se dispõe do balanço do saveiro,
embora a destruição provocada pela sanha demolidora de Dilma talvez leve mesmo
uma eternidade para reconstruir, quiçá uma encarnação.
A nova equipe, na voz de
Meirelles, começou por traçar linhas gerais a respeito do que fará daqui para
frente. Reconheceu que o tamanho do problema fiscal brasileiro é bem maior do
que dizia o governo anterior. Talvez tenhamos um déficit primário nesse ano da
ordem de 3% do PIB, talvez terminemos o ano com rombo ainda maior, algo como 4%
do PIB, segundo contas feitas recentemente por mim, contas que excluem a
repatriação de recursos do exterior. Talvez não seja possível sequer almejar equilíbrio
nas contas públicas no ano que vem. O que é possível fazer diante dessa
situação?
Meirelles não descartou aumento
de impostos para melhorar o quadro fiscal dos próximos anos. Nem deveria, já
que ministros não devem jogar fora instrumentos. Contudo, iniciar o conserto
das contas públicas pelo aumento de tributos, ou pela austeridade excessiva,
não é recomendável para uma economia em estado de calamidade como a brasileira.
Mais importante do que começar a dura tarefa de tapar buracos é reconstruir as
instituições fiscais brasileiras, delinear algo como o “Plano Real” de Temer,
cujo foco são as contas públicas, não a estabilidade dos preços. A estabilidade
dos preços virá a reboque do ajuste possível. Sempre é bom lembrar que o Plano
Real original foi concebido e formulado durante um governo de transição,
implantado na virada para o novo que então se anunciava.
Linha semelhante parece desejável
agora. Em vez de CPMF e CIDE, o melhor é dar solidez à Lei de Responsabilidade
Fiscal, introduzindo os já debatidos limites sobre o endividamento público –
que eliminariam o uso indevido dos bancos públicos promovido por Dilma – além
dos tetos para o crescimento do gasto nominal, proposta veiculada por Joaquim
Levy, e, mais recentemente, aventada por Henrique Meirelles. Para que seja
possível limitar o crescimento dos gastos é necessário desvincular receitas e
despesas orçamentárias, bem como tratar da desindexação das despesas, que, por
mecanismo funesto, crescem como se não houvesse amanhã. Em 2015, enquanto o PIB
nominal cresceu cerca de 6%, as despesas totais aumentaram 12%, situação
absolutamente insustentável. Restringir o aumento do gasto público e tornar o
orçamento exequível necessitam da aprovação de emendas constitucionais pelo
Congresso. É de se imaginar que Michel Temer, com seu ministério pragmático,
seja capaz de fazê-lo. Essas medidas não trarão alívio imediato às contas
públicas, é preciso que se reconheça isso de modo explícito. No entanto, são
elas que haverão de ajudar a reduzir a dívida pública daqui a uns dois ou três
anos. A destruição foi grande, o esforço de reconstrução é longo. Paciência é
virtude fundamental.
Se assim for, embarcamos no
avião, no tempo de uma saudade. Caso contrário, fadados estamos à eternidade, à
deriva na jangada de onde só será possível desembarcar em 2018. Há esperança.
Afinal…
Ê, volta do mundo,
camará
Ê, ê, mundo dá volta,
camará
Publicado em O Estado de São Paulo, 18/5/2016
100% de acordo, melhor uma inflação que vai realinhar os fatores e no horizonte uma perspectiva de estabilidade que um conflito nas atuais circunstâncias...
ResponderExcluirA dificuldade é que a inflação necessária para realinhar e dar produtividade a economia, é alta. É de 50%. Quem, quem fará isto?
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