quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A Banda de Dilma

"Mas para meu desencanto, o que era doce acabou 
Tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou 
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor"

A Banda, Chico Buarque

Dilma, não exatamente à toa na vida quando Nelson Barbosa a chamou, foi ver a banda passar e gostou. O homem sério, o faroleiro, a moça triste, a moça feia, o velho fraco, todos debruçados para ver a marcha alegre da banda fiscal. Banda endógena, diagonal.

Besta grande, cavalo de pau. Vento estocado, banda fiscal. Dilma vê a banda e muda provérbios.

Ao ver a banda de Nelson, Dilma se encantou. Por que não? Por que não fazer a banda fiscal, as metas flexíveis para o resultado das contas públicas? Assim estocamos vento, vento para soprar excessos. Onde estocamos o vento? No gabinete do Ministro, é claro. O Ministro da banda, que fique claro.

Metas flexíveis, uma banda para o resultado primário, com piso, teto e variação. Se errarmos, mudamos o alvo, solução perfeita. Até a moça triste que vivia calada sorriu.

Mais eis que a banda é efêmera, doce ilusão. O homem de terno não acredita na banda, a mulher de cérebro não acredita na banda, o velho cansado não acredita na banda. Vento estocado, afinal, é ar parado.

E para desencanto da Presidente, tudo tomou seu lugar. O dólar, os juros, o desemprego, a recessão, cada qual no seu canto. Em cada canto uma dor.

domingo, 18 de outubro de 2015

Casa Tomada

Fazia pouco tempo que moravam ali, mas pensaram que o espaço lhes pertencia. Ocuparam-no com seus papeis e suas ideias, dias passados elaborando planos para converter autoproclamados ilibados, ciclistas inveterados. Certo dia, o susto.

"Tomaram os fundos da casa", disse ao ministro um de seus assessores.

"Não há mal", retrucou o Ministro em seu labirinto. "Fechemos as portas dos fundos -- passe as chaves, não esqueça do trinco", instruiu. A casa é grande, pensava, é possível dividi-la enquanto tratamos da conversão.

Assim ficaram por um tempo, o trabalho um pouco dificultado pelo barulho que aumentava do outro lado.

"Tive que fechar a porta do corredor", informou-lhe o mesmo assessor. "Parece que tomaram a biblioteca".

"Tem certeza?", perguntou o Ministro, ar de estupefação. "Prometeram-me que a biblioteca seria poupada. Dei-lhes em troca nossos aposentos, já de nada nos serviam". Há muito o Ministro e seus assessores dormiam na biblioteca. "Passemos à cozinha", disse, ar de resignação. "Mas mantenha o corredor inacessível para que ao menos possamos ter algum sossego aqui. Aqui podemos continuar nossos planos, ainda que disponhamos não mais de livros, mas de panelas e tigelas, facas e colheres de pau. Ainda dá para trabalhar", afirmava, ar cansado.

O cansaço, o Ministro. Envelhecia, o pobre, assombrado pelas armações que certamente lhe cercavam na casa tomada.

"É inútil chefe. Arrombaram a porta, estão no corredor."

O Ministro, derrotado, aquiesceu. "Abra a porta, saiamos".

Deixaram a casa à meia-noite, a chave jogada no ralo, o Ministro a pensar: quem haverá de querer roubar uma casa tomada, sobretudo a essa hora?

***

Versão Levyana de "A Casa Tomada" de Julio Cortázar.