segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ministério Parlamentarista?

"Ministério Parlamentarista", eis a mais nova expressão para designar o ministério de homens brancos vestidos de ternos escuros escolhido por Michel Temer. Nada contra homens -- afinal, tenho três excelentes representantes do gênero masculino em casa -- ou ternos. Mas, "Ministério Parlamentarista" é algo que me incomoda. Profundamente.
Nesses tempos difíceis, em que pensar virou luxo, expressões vazias ou deturpadas colam feito gosma. Não à toa, volto sempre à reflexão de George Orwell: "Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento". O uso de clichês, de expressões inócuas, de palavreado que confunde e funde a cabeça do leitor é inimigo da reflexão. "Ministério Parlamentarista", o que isso quer dizer? Muitos têm defendido o termo para refletir as escolhas de Temer como forma de garantir apoio no Congresso às medidas duras que terão de ser aprovadas se o País quiser ter alguma esperança de sair do atoleiro. Se assim é, que chamem de "Ministério Pragmático" para ficar no campo dos eufemismos que não contorcem o pensamento.

Ministérios parlamentaristas, parlamentaristas de verdade, são prerrogativa, ora vejam, de regimes parlamentaristas. Não é o regime que temos no Brasil. Talvez seja o regime que alguns de nós almejemos para o País -- revelo-me defensora desse pensamento. Mas, para que um ministério seja de fato parlamentarista é preciso que combine com maestria dois atributos fundamentais: a excelência dos escolhidos, e a representatividade da sociedade para a qual servirão de porta-vozes. Representatividade tem diversos aspectos, mas um dos mais fundamentais é a identificação do povo com seus governantes. Por isso o espanto de muitos com a falta de diversidade mais próxima da realidade brasileira. Afinal, em País tão plural quanto o Brasil, custa acreditar que não existam pessoas competentes sem ar vintage.
"Ministério pragmático" é a ideia de que, para governar, Temer teve de contemporizar. Ah, dizem tantos, mas esse é o Brasil. No Brasil só é possível governar assim. Entendo. Mas, a complacência nacional com aquilo que é apenas "bom o suficiente", "necessário nesse momento", "muito melhor do que aquilo que havia no governo anterior" incomoda. Incomoda, sobretudo, porque revela o conservadorismo de uma parte da sociedade brasileira que ainda não compreendeu que aquilo que realmente divide o País não é "esquerda" e "direita", mas sim o anseio de que o Brasil ingresse no progressismo do Século XXI e não se atenha ao velho conservadorismo que muitos já não suportam. Sem alternativa, é isso o que leva tantos jovens a abraçar a esquerda jurássica, aquela que ficou presa à Guerra Fria.

Convivamos, por ora, com o ministério pragmático na esperança de que possa entregar o pragmatismo que dele se espera. Mas, por favor, abandonemos os clichês e as ideias tortas. Esses, já os tivemos de sobra nos anos do lulopetismo que, quiçá, acabam de se encerrar.

Publicado em O Estado de Sao Paulo, 14/05/2016

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