segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Arte da Leveza

Disse Victor Hugo que as palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade. Pois a brutalidade do impacto das palavras está em evidência por toda parte. No tribalismo funesto e contagiante da redes sociais, nos grampos que mostram políticos fazendo o possível para obstruir a justiça e as investigações da Lava-Jato, nas paixões transformadas em fúria e confusão mental. Muita confusão mental.

O viés voluntarioso, a vontade de pertencer a um grupo e agarrar-se fielmente às suas ideias, quase dogmas, o tribalismo que caracteriza todos nós, desde sempre. Nada disso é novidade, tudo isso está refletido na citação de Victor Hugo, essa que ecoa desde o Século XIX. A tempestade das palavras, a fúria intempestiva provocada pelas reações que nascem das vísceras, expelidas antes de serem processadas pelo intelecto. 

Dia desses senti isso diretamente ao escrever texto sobre o descalabro fiscal de Dilma desvelado pela nova equipe econômica. Entre desmerecimentos, adjetivos, e indignação constatei a confusão que domina o Brasil dividido, a perda do terreno comum. Mostrar os desmandos do governo Dilma, os onze milhões de desempregados, o duro ajuste de contas com a realidade de um País esfolado até os ossos, quebrado, não é aval ao governo Michel Temer. Repito: não querer a volta de Dilma Rousseff não se traduz em chancela automática ao governo interino. Sobretudo quando somos solapados com a brutalidade das palavras de seus integrantes, com a desfaçatez, também presente no governo de Dilma Rousseff. Afinal, não esqueçamos: Temer-Adão é costela de Dilma-Eva. Costela será, até que se revele o contrário. Não tem muito tempo para isso.

Brutalidade, leveza. A arte da leveza é para poucos. Marília Altenburg Brasil, mais tarde, Marília Brasil Baumgarten, minha avó, cento e um anos nesse planeta. Cento e um anos nesse Brasil. Cento e um anos de leveza, em meio a muitas perdas, muitas decepções, dificuldades, tristezas. Cento e um anos de alegrias, saúde, netos, bisnetos, tantos bisnetos. Pessoa de delicadeza incomum, de força descomunal. Pessoa que está a deixar-nos com a mesma leveza que viveu seus cento e um anos, completados no último seis de maio.

Hoje penso nela, ela de nome Brasil. Nela e em sua leveza, leveza que falta ao Brasil.

sábado, 21 de maio de 2016

A Cova não é Rasa

Complementando o post anterior:

Se somarmos ao déficit primário de 2016 (os R$ 170,5 bilhões) os pagamentos de juros da dívida, a conta chega a R$ 600 bilhões. 
Ou seja, a parte que cabe desse latifúndio a cada pessoa que votou na Dilma em 2014 é de R$ 11.111,11. A cada pessoa que votou, R$ 5.714.3; incluindo brancos e nulos, R$ 4255.3. De todo modo, é cova grande, não é cova medida.

É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a terra que querias ver dividida
Chico Buarque, Funeral de um Lavrador
(Versos de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina)

170,5

Bilhões e bilhões de reais, mais precisamente, cento e setenta vírgula cinco deles. Eles, os reais. Os meus, os seus, os nossos. Cento e setenta vírgula cinco bilhões de reais, a professora que manda o aluno escrever por extenso várias vezes no quadro-negro por mau comportamento em sala de aula. Escrevam comigo: cento e setenta vírgula cinco bilhões de reais, cento e setenta vírgula cinco bilhões de reais, cento e setenta vírgula cinco bilhões de reais...

Há certa sensação dissociativa nessa atividade, não? Cento e setenta bilhões de reais como um mantra meditativo vira punhado de palavras sem sentido. Eis o perigo. Cento e setenta bilhões reais divididos pela população que foi às urnas no fatídico 26 de outubro de 2014 dá R$ 1.639,4 reais por cabeça. É essa a quantia que Dilma, a afastada, tirou do bolso dos milhões de brasileiros que votaram. Vejam bem: dos que votaram, não dos que votaram nela. Fosse a quantia dividida pelos 54 milhões de eleitores que ela acha que ainda tem, o valor a ser pago por cada um desses indivíduos seria de R$ 3.157,4. Quantos brasileiros ganham três mil cento e cinquenta e sete reais e quarenta centavos por mês?

Não é assim, entretanto, que a coisa funciona. Não será apenas o eleitor de Dilma a sentir-se pato pateta, pato assado, pato acossado. Aquilo que chamam "dinheiro do governo" é dinheiro do contribuinte, de todos os contribuintes, não importa o matiz ideológico ou o partido preferido, se é que preferências políticas ainda existem entre a maioria da população, aqueles que não são "intelectuais" ou artistas que viajam para Cannes. Portanto, quem paga o pato pata aqui pata acolá somos todos nós, quem paga o pato e fica a ver o que é que há é o porteiro, a professora, o motorista de táxi, a dona de casa, o advogado, a manicure, o padeiro, a executiva. Mil seiscentos e trinta e nove reais e quarenta centavos, esse cheque nominal que todos nós teremos de dar ao governo para cobrir o rombo de Dilma, mais cedo e mais tarde, é valor muito superior à renda mensal de muitos brasileiros e brasileiras. Sabem, os brasileiros e brasileiras mais pobres, aqueles que ela e os seus disseram que queriam ajudar.

Dilma ontem foi à TV chinesa. Dilma ontem concedeu entrevista à CCTV. Dilma ontem falou para bilhões de pessoas que há um golpe contra ela. Enquanto isso, o verdadeiro golpe, aquele que ela deu em milhões e milhões de brasileiros e brasileiras, era anunciado pela equipe econômica. Golpe mortal, golpe de cento e setenta vírgula cinco bilhões de reais, golpe de mil seiscentos e trinta e nove vírgula quarenta reais em cada um de nós.

A pata pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgada
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez a moça...
Que foi pra panela.
Mas, nós ainda continuamos a pagar o salário dela.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

O Desafio do Comércio Exterior

Muito tem sido dito sobre a nova equipe econômica brasileira, alívio incontestável ante o triunfo da incompetência, marca da gestão de Dilma Rousseff. Naturalmente, a atenção tem se voltado para os nomes do Ministério da Fazenda e do Banco Central, sobretudo do Ministério da Fazenda, que terá trabalho árduo para descobrir qual o tamanho do buraco que o governo afastado cavou nas contas públicas brasileiras. Esse, entretanto, não é artigo sobre os desafios fiscais, amplamente conhecidos e debatidos à exaustão. Esse artigo trata de outro tema, tema que o novo governo parece pronto a encaminhar como há muito não se via.

Foram muitos os artigos escritos por diversos economistas, inclusive por mim, sobre o tema do comércio exterior, sobre o isolacionismo brasileiro, sobre o fato de sermos uma das economias mais fechadas do planeta. Há muito tempo o Brasil não tem estratégia clara para a política externa. A política externa do governo de Dilma Rousseff foi pródiga em desmandos e anomalias. Não à toa, estados falidos como a Venezuela de Maduro, a trágica Venezuela, atacaram de modo veemente o afastamento da Presidente. A razão é conhecida: a Venezuela acaba de perder o mais importante apoio diplomático e financeiro da região.

A guinada de Michel Temer na política externa brasileira prenuncia-se com a posse do Senador José Serra como Ministro das Relações Exteriores, e com as novas responsabilidades que o cargo terá sobre o comércio exterior. Há muito o que fazer: procurar formas de engajamento com a Aliança do Pacífico, repensar o Mercosul junto com parceiros como a Argentina, que, sob a liderança de Macri, já deu sinais de que pretende reavaliar o acordo que jamais funcionou bem para parte alguma, levar a cabo as negociações entre o Mercosul e a União Europeia, retomar a agenda de facilitação de comércio entre o Brasil e os Estados Unidos. Para avançar nessas e em outras áreas é preciso tratar de temas espinhosos, como as nefastas regras de conteúdo local disseminadas por toda parte pelo governo de Dilma Rousseff. É preciso, também, ter bom entendimento sobre como está o Brasil, hoje, no mundo.

É recorrente a ideia de que o Brasil nesses últimos anos tornou-se primordialmente país exportador de produtos básicos. Verdade que nossa indústria sofre há anos com políticas equivocadas, carga tributária demolidora, excesso de regulações que dificultam a atividade produtiva, e por aí vai. Contudo, há alguns dados interessantes, frequentemente ignorados. Segundo base de dados de comércio do Banco Mundial (WITS – World Integrated Trade Solution), 62% das exportações do Brasil para os Estados Unidos são de bens intermediários ou bens de capital, contra apenas 23% de produtos primários. Para a União Europeia, o Brasil exporta cerca de 46% do total em bens intermediários ou de capital, contra 41% de produtos primários – ou seja, o peso dos primários na pauta dessa relação bilateral é praticamente igual ao de produtos com maior valor adicionado. Por fim, para a China destinamos 84% de nossa produção primária, contra míseros 15% em bens de capital e bens intermediários. Há, portanto, espaço não apenas para promover a indústria brasileira entre alguns de nossos principais parceiros comerciais, mas, sobretudo, para priorizar as relações entre os países que mais compram produtos industriais “made in Brazil”.

Por falar em “made in Brazil”, outro dado amplamente desconhecido assusta. Revela a World Input-Ouput Database (WIOD) que entre 1995 e 2011, o conteúdo de valor-adicionado importado nas exportações de produtos manufaturados brasileiros praticamente não mudou, passando de 9% para 11% em década e meia. Em contrapartida, na China tal número saltou de 10% para 35% no mesmo período, enquanto na Índia o pulo foi de 9% para 24%. Ou seja, enquanto a indústria exportadora nacional permaneceu caracterizada pelo viés nacionalista, outras grandes economias emergentes passaram a enxergar as virtudes do “made in the world”.

Por fim, livro muito interessante de Caroline Freund, do Peterson Institute for International Economics (“Rich People, Poor Countries”, publicado esse ano) mostra claramente a ausência de dinamismo no Brasil a partir de uma base de dados que reúne as grandes fortunas de diversos países emergentes. Há imenso contraste naquilo que se vê no Brasil, de um lado, Índia e China, de outro. Enquanto no Brasil cerca de metade dos bilionários do país são indivíduos que herdaram suas fortunas, na Índia e na China os bilionários são majoritariamente empreendedores que formaram suas próprias empresas, sem depender de conexões políticas ou apadrinhamentos, ao contrário do que muitos imaginam. Na Rússia, não surpreendentemente, cerca de 70% dos indivíduos bilionários não são “self-made”, mas sim gente politicamente conectada e apadrinhada.


O que toda essa evidência empírica revela é que o Brasil tem muito o que fazer para correr atrás do prejuízo causado por anos de isolacionismo. As novas lideranças que haverão de tratar desses temas inspiram grandes expectativas. Avancemos, pois.

Publicado no portal Exame em 20/05/2016

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O Tempo de uma Saudade

“De jangada leva uma eternidade, de saveiro leva uma encarnação, de avião, o tempo de uma saudade.”
Gilberto Gil, Parabolicamará


Qual o tempo de uma saudade? Se for o que levou para que tivéssemos novamente uma equipe econômica completa, equipe formada por várias pessoas experientes, não apenas por um ministro solitário, equipe capaz de tirar o Brasil do atoleiro, o tempo dessa saudade foi longo demais. Se for o que levou para entendermos que o governo Dilma, marcado pelo triunfo da diversidade sobre a competência, mergulhava o País na bancarrota, o tempo dessa saudade foi inexistente para uns, de difícil aceitação para outros. Alguns permanecem com a saudade atravessada na garganta, ainda que vejam 10 milhões de brasileiros desempregados, outros tantos mais à beira do abismo.

Como haverá de caminhar a nova equipe econômica, em que tempo? Apesar da inequívoca competência dos que foram anunciados para compor o Ministério da Fazenda, o Banco Central, o BNDES, o luxo da jangada, dele não se dispõe. Tampouco se dispõe do balanço do saveiro, embora a destruição provocada pela sanha demolidora de Dilma talvez leve mesmo uma eternidade para reconstruir, quiçá uma encarnação.

A nova equipe, na voz de Meirelles, começou por traçar linhas gerais a respeito do que fará daqui para frente. Reconheceu que o tamanho do problema fiscal brasileiro é bem maior do que dizia o governo anterior. Talvez tenhamos um déficit primário nesse ano da ordem de 3% do PIB, talvez terminemos o ano com rombo ainda maior, algo como 4% do PIB, segundo contas feitas recentemente por mim, contas que excluem a repatriação de recursos do exterior. Talvez não seja possível sequer almejar equilíbrio nas contas públicas no ano que vem. O que é possível fazer diante dessa situação?

Meirelles não descartou aumento de impostos para melhorar o quadro fiscal dos próximos anos. Nem deveria, já que ministros não devem jogar fora instrumentos. Contudo, iniciar o conserto das contas públicas pelo aumento de tributos, ou pela austeridade excessiva, não é recomendável para uma economia em estado de calamidade como a brasileira. Mais importante do que começar a dura tarefa de tapar buracos é reconstruir as instituições fiscais brasileiras, delinear algo como o “Plano Real” de Temer, cujo foco são as contas públicas, não a estabilidade dos preços. A estabilidade dos preços virá a reboque do ajuste possível. Sempre é bom lembrar que o Plano Real original foi concebido e formulado durante um governo de transição, implantado na virada para o novo que então se anunciava.

Linha semelhante parece desejável agora. Em vez de CPMF e CIDE, o melhor é dar solidez à Lei de Responsabilidade Fiscal, introduzindo os já debatidos limites sobre o endividamento público – que eliminariam o uso indevido dos bancos públicos promovido por Dilma – além dos tetos para o crescimento do gasto nominal, proposta veiculada por Joaquim Levy, e, mais recentemente, aventada por Henrique Meirelles. Para que seja possível limitar o crescimento dos gastos é necessário desvincular receitas e despesas orçamentárias, bem como tratar da desindexação das despesas, que, por mecanismo funesto, crescem como se não houvesse amanhã. Em 2015, enquanto o PIB nominal cresceu cerca de 6%, as despesas totais aumentaram 12%, situação absolutamente insustentável. Restringir o aumento do gasto público e tornar o orçamento exequível necessitam da aprovação de emendas constitucionais pelo Congresso. É de se imaginar que Michel Temer, com seu ministério pragmático, seja capaz de fazê-lo. Essas medidas não trarão alívio imediato às contas públicas, é preciso que se reconheça isso de modo explícito. No entanto, são elas que haverão de ajudar a reduzir a dívida pública daqui a uns dois ou três anos. A destruição foi grande, o esforço de reconstrução é longo. Paciência é virtude fundamental.

Se assim for, embarcamos no avião, no tempo de uma saudade. Caso contrário, fadados estamos à eternidade, à deriva na jangada de onde só será possível desembarcar em 2018. Há esperança. Afinal…

Ê, volta do mundo, camará

Ê, ê, mundo dá volta, camará

Publicado em O Estado de São Paulo, 18/5/2016

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Ministério Parlamentarista?

"Ministério Parlamentarista", eis a mais nova expressão para designar o ministério de homens brancos vestidos de ternos escuros escolhido por Michel Temer. Nada contra homens -- afinal, tenho três excelentes representantes do gênero masculino em casa -- ou ternos. Mas, "Ministério Parlamentarista" é algo que me incomoda. Profundamente.
Nesses tempos difíceis, em que pensar virou luxo, expressões vazias ou deturpadas colam feito gosma. Não à toa, volto sempre à reflexão de George Orwell: "Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento". O uso de clichês, de expressões inócuas, de palavreado que confunde e funde a cabeça do leitor é inimigo da reflexão. "Ministério Parlamentarista", o que isso quer dizer? Muitos têm defendido o termo para refletir as escolhas de Temer como forma de garantir apoio no Congresso às medidas duras que terão de ser aprovadas se o País quiser ter alguma esperança de sair do atoleiro. Se assim é, que chamem de "Ministério Pragmático" para ficar no campo dos eufemismos que não contorcem o pensamento.

Ministérios parlamentaristas, parlamentaristas de verdade, são prerrogativa, ora vejam, de regimes parlamentaristas. Não é o regime que temos no Brasil. Talvez seja o regime que alguns de nós almejemos para o País -- revelo-me defensora desse pensamento. Mas, para que um ministério seja de fato parlamentarista é preciso que combine com maestria dois atributos fundamentais: a excelência dos escolhidos, e a representatividade da sociedade para a qual servirão de porta-vozes. Representatividade tem diversos aspectos, mas um dos mais fundamentais é a identificação do povo com seus governantes. Por isso o espanto de muitos com a falta de diversidade mais próxima da realidade brasileira. Afinal, em País tão plural quanto o Brasil, custa acreditar que não existam pessoas competentes sem ar vintage.
"Ministério pragmático" é a ideia de que, para governar, Temer teve de contemporizar. Ah, dizem tantos, mas esse é o Brasil. No Brasil só é possível governar assim. Entendo. Mas, a complacência nacional com aquilo que é apenas "bom o suficiente", "necessário nesse momento", "muito melhor do que aquilo que havia no governo anterior" incomoda. Incomoda, sobretudo, porque revela o conservadorismo de uma parte da sociedade brasileira que ainda não compreendeu que aquilo que realmente divide o País não é "esquerda" e "direita", mas sim o anseio de que o Brasil ingresse no progressismo do Século XXI e não se atenha ao velho conservadorismo que muitos já não suportam. Sem alternativa, é isso o que leva tantos jovens a abraçar a esquerda jurássica, aquela que ficou presa à Guerra Fria.

Convivamos, por ora, com o ministério pragmático na esperança de que possa entregar o pragmatismo que dele se espera. Mas, por favor, abandonemos os clichês e as ideias tortas. Esses, já os tivemos de sobra nos anos do lulopetismo que, quiçá, acabam de se encerrar.

Publicado em O Estado de Sao Paulo, 14/05/2016

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A Banda de Dilma

"Mas para meu desencanto, o que era doce acabou 
Tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou 
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor"

A Banda, Chico Buarque

Dilma, não exatamente à toa na vida quando Nelson Barbosa a chamou, foi ver a banda passar e gostou. O homem sério, o faroleiro, a moça triste, a moça feia, o velho fraco, todos debruçados para ver a marcha alegre da banda fiscal. Banda endógena, diagonal.

Besta grande, cavalo de pau. Vento estocado, banda fiscal. Dilma vê a banda e muda provérbios.

Ao ver a banda de Nelson, Dilma se encantou. Por que não? Por que não fazer a banda fiscal, as metas flexíveis para o resultado das contas públicas? Assim estocamos vento, vento para soprar excessos. Onde estocamos o vento? No gabinete do Ministro, é claro. O Ministro da banda, que fique claro.

Metas flexíveis, uma banda para o resultado primário, com piso, teto e variação. Se errarmos, mudamos o alvo, solução perfeita. Até a moça triste que vivia calada sorriu.

Mais eis que a banda é efêmera, doce ilusão. O homem de terno não acredita na banda, a mulher de cérebro não acredita na banda, o velho cansado não acredita na banda. Vento estocado, afinal, é ar parado.

E para desencanto da Presidente, tudo tomou seu lugar. O dólar, os juros, o desemprego, a recessão, cada qual no seu canto. Em cada canto uma dor.